O Luto

Um trabalho de Sandra Rodrigues


PORQUÊ O RITUAL DO FUNERAL É IMPORTANTE?

“Quando as palavras são inadequadas, crie um ritual”
Anónimo

Rituais são, na maioria das vezes, cerimónias simbólicas que nos ajudam a expressar os nossos sentimentos e pensamentos mais profundos junto dos nossos familiares e amigos. O Baptismo celebra o nascimento da criança e sua aceitação na comunidade Cristã. As festas de aniversário honram a pessoa que faz anos e serve para festejar mais um ano de vida de uma pessoa que amamos. O Casamento tem como função afirmar o amor entre duas pessoas publicamente e abençoar essa união.

Também o ritual funerário é um meio simbólico, tradicional e público de expressar os nossos pensamentos, sentimentos e convicções acerca da morte de uma pessoa que amamos. Rica em história e abastada com simbolismo, a cerimónia funerária ajuda-nos a reconhecer a realidade da morte, dá valor à vida do defunto, encoraja a expressão da dor que está consistente com os valores culturais, provê apoio a quem sofre, permite aceitar a fé e as convicções sobre a vida e a morte, e oferece a continuação e esperança para viver.

Infelizmente, na nossa cultura que tem tendência para evitar o sofrimento (o luto) o significado do funeral é esquecido. É preocupante que as famílias, as pessoas e, por fim, a própria sociedade sofrerão se não reinvestirmos no ritual funerário. Este artigo explora os benefícios do sofrimento-recuperação e dos benefícios do funeral com esta tendência de “desritualização”.

Para a recuperação existem seis fases do processo de luto para a recuperação da dor. Ou seja, as pessoas despojadas de alguém que amavam têm necessariamente de passar por cada uma destas fases, com todo o seu sofrimento, com o amor e a compaixão que despertam à sua volta, para poderem recuperar do luto e encontrar um novo significado para a vida e continuar a viver.

Como pode ajudar um funeral tradicional a ultrapassar estas seis fases do processo de luto:

Fase do Luto 1. Reconheça a realidade da morte.

Quando alguém que amamos morre, temos de reconhecer abertamente a realidade e finalidade da morte se queremos recuperar da nossa dor. Normalmente, aceitamos essa realidade em duas fases. Primeiro reconhecemos a morte na nossa cabeça; dizemos que alguém que amávamos faleceu e, pelo menos intelectualmente, reconhecemos de facto a morte. Com o decorrer dos dias e semanas seguintes, suavemente, começamos a reconhecer a realidade da morte nos nossos corações.

As cerimónias funerárias podem ser uma grande ajuda para a “consciencialização” da morte. Intelectualmente, os funerais ensinam-nos que alguém que amamos faleceu, embora até ao momento do funeral nos tenhamos negado esse facto. Quando contactamos a agência funerária, marca-se uma hora para o serviço, planeia-se a cerimónia, vê-se o corpo, escolhemos a roupa e os acessórios para vestir o corpo, não podemos evitar reconhecer a morte da pessoa que amávamos. Quando vemos a urna baixar o solo, somos testemunhas da morte.

Fase do Luto 2. Oriente a dor da perda.

O nosso reconhecimento da morte progride do “entender na cabeça” para o “entender no coração”, começamos por sentir a dor da perda – outra necessidade que quem sofre a morte de alguém que amava para poder recuperar. O luto saudável significa expressar os nossos pensamentos e sentimentos dolorosos, e as cerimónias funerárias são saudáveis porque nos permitem isso.

As pessoas têm tendência a chorar, em lamurio ou em soluços, nos funerais porque os funerais fazem-nos concentrar no facto da morte e nos nossos sentimentos, muitíssimo dolorosos, sobre essa morte. Durante, pelo menos, uma ou duas horas – durante mais tempo para a pessoa que planeou a cerimónia ou recebe as pessoas – os que assistem ao funeral não são capazes de intelectualizar ou distanciarem-se da sua dor do luto. Para nosso benefício, os funerais criam-nos um local onde se aceita que expressemos os nossos sentimentos mais dolorosos. São talvez o único local e tempo, durante o qual a sociedade perdoa a expressão aberta da nossa tristeza.

Fase do Luto 3. Lembre a pessoa que faleceu.

A recuperação no luto, temos de trocar a relação com a pessoa que faleceu de uma presença física para uma memória. O funeral tradicional encoraja-nos a efectuar essa traça, para isso é necessário um tempo e lugar necessários para lembrarmos os momentos partilhados – bons e maus – com a pessoa que faleceu. Como em nenhum outro tempo antes e depois da morte, o funeral convida-nos a focarmo-nos na relação única que tivemos, com aquela pessoa especial e a partilhar essas recordações com os outros.

Nos funerais tradicionais, no elogio tenta-se realçar os principais êxitos na vida do defunto e as suas características especiais. Isto é útil aos que sofrem, pois tende a incitar recordações íntimas, individuais. Mais tarde, depois da própria cerimónia, muitos dos que estão de luto compartilham informalmente recordações da pessoa que faleceu. Também isto é importante. Ao longo do nosso percurso de luto, à medida que mos tornamos mais capazes de “contar uma história” – da morte em si, das nossas recordações da pessoa que morreu – mais perto estaremos da recuperação da perda. Além disso, o partilhar as recordações no funeral afirma o valor que a pessoa que faleceu tinha para nós, e legitima a nossa dor. Muitas vezes, também, as memórias que outros partilham connosco no funeral no funeral, são recordações que nunca tínhamos ouvido antes. Isto mostra-nos coisas novas sobre a pessoa que faleceu e permite recordar aquela vida que sempre apreciamos.

Fase do Luto 4. Desenvolva uma nova auto-identidade.

Outra fase necessária da recuperação do luto é o desenvolvimento de uma nova auto-identidade. Somos todos seres sociais cujas vidas têm determinado significado de acordo com a relação que estabelecemos com os que nos rodeiam. Eu não sou apenas Sandra, mas uma filha, uma irmã, uma esposa, uma mãe, uma amiga, etc. quando alguém que me é próximo morre, a minha auto-identidade que estava definida muda.

O funeral ajuda-nos a iniciar este difícil processo de desenvolvimento de uma nova auto-identidade porque nos oferece um local social para reconhecimento público dos nossos novos papéis sociais. Se é pai ou mãe de uma criança e essa criança morre, o funeral marca o início da sua vida como um pai despojado (no sentido físico; você terá sempre essa relação em memória). Outras pessoas assistem ao funeral como efeito de declaração,”Nós reconhecemos que a sua identidade mudou, mas queremos que saiba que nos preocupamos consigo”. Por outro lado, em situações em que não existe funeral, o grupo social não sabe como relacionar-se com a pessoa cuja identidade mudou e frequentemente essa pessoa é socialmente abandonada. Alem disso, ter os familiares e amidos encorajadores ao nosso lado durante o funeral ajuda-nos a percebera nossa existência. Este assunto da auto-identidade é bem ilustrado por um comentário habitual:”Quando ele (ou ela) morreu, senti como se uma parte de mim morresse também”.

Fase do Luto 5. A procura de significado.

Quando alguém que amamos morre, naturalmente questionamo-nos sobre o significado da vida e morte. Porque morreu esta pessoa? Porquê agora? Porquê deste modo? Porque tem de doer tanto? O que acontece depois da morte? Para podermos recuperar, temos de explorar estas perguntas. De facto, temos de questionar os “Porque” para decidir porque devemos continuar a viver antes mesmo de nos perguntarmos como vamos nós viver. Isto não significa que encontraremos respostas definitivas, mas que precisamos da oportunidade para pensar (e sentir) essas coisas.

Num nível mais fundamental, o funeral reforça um facto real na nossa existência: nós morremos. Tal como viver, morrer é um processo natural e inevitável. (Temos tendência a não reconhecer isto). Assim, o funeral ajuda-nos a procurar um significado na vida e morte da pessoa que faleceu como também nas nossas próprias vidas e mortes iminentes. Cada funeral torna-se num ensaio para o nosso próprio funeral.

Os funerais são um modo de demonstrar o peso das nossas convicções e valores sobre a vida e sobre a morte como indivíduos, e como comunidade. O verdadeiro motivo do funeral é demonstrar o valor que aquela morte tem para nós. Para se viver uma vida cheia e tão saudável quanto possível, assim deveria ser.

Fase do Luto 6. Receba apoio contínuo dos outros.

Como dissemos, os funerais são um meio público de expressar os nossos sentimentos e convicções sobre a morte de alguém que amamos. De facto, os funerais são um local publico para oferecer apoio a outros e ser apoiado quando sofre, no funeral e no futuro. Os funerais funcionam como uma declaração social: “Venha apoiar-me”. Quem escolhe não ter funeral está a declarar “Não venha apoiar-me”.

Nos funerais demonstramos precisar de apoio físico, também. Infelizmente, a nossa sociedade não é muito afectiva (fisicamente), mas nos funerais permitem-nos tocar, abraçar, confortar. Novamente, as palavras são inadequadas assim demonstramos o nosso apoio fisicamente. Este apoio físico é um dos aspectos de recuperação mais importantes nas cerimónias funerárias.

Finalmente, e simplesmente, os funerais servem como um lugar de ajuntamento social para quem está triste e a sofrer. Quando nos preocupamos com alguém que faleceu e com os membros da sua família, assistimos ao seu funeral. A nossa presença física é o maior apoio que se pode dar. Ao irmos ao funeral estamos a demonstrar aos seus familiares que não estão sós no sofrimento.